Se hoje fosse publicado Os Bruzundangas, aposto que em muitos aspectos a obra não estaria fora de contexto. Mesmo depois de muito tempo, este livro de Lima Barreto (1881-1922) ainda carrega a mesma força no sentido de denúncia, mesmo que nele permeie um modo mais leve de relatar temas negativos, se comparado com outros trabalhos mais recentes e de conteúdo similar.
Publicado postumamente em 1923, Os Bruzundangas é um conjunto de crônicas sobre um país fictício, a República dos Estados Unidos da Bruzundanga. Esta nação hipotética contém basicamente os mesmos problemas encontrados no Brasil, e é nesse aspecto satírico que o autor se apega para condenar os problemas sociais, o que é uma característica muito presente em toda a obra de Lima Barreto. O termo ‘bruzundanga’ é um substantivo feminino que pode significar ‘burundanga’, que é o mesmo que ‘palavreado confuso’, ‘mistura de coisas imprestáveis’, ‘mixórdia’, ‘trapalhada’ ou ‘embrulhada’.
O livro é um diário de viagem de um brasileiro que morou por uns tempos naquele país e conheceu de perto os principais pormenores. Ao longo dos capítulos, Barreto discorre sobre vários assuntos, dentre eles, a Constituição, a indústria, o nepotismo, o favorecimento aos políticos, a má educação, o setor defasado da saúde, a imprensa, além dos costumes do povo e da cultura (música, teatro, literatura etc.)
A maneira como ele aborda os problemas ainda é estritamente válida, fácil de ser adaptada para a nossa realidade. Além disso, o livro não se torna cansativo como alguns clássicos do mesmo período, tem pouco mais de 150 páginas e é capaz de conquistar o leitor menos acostumado com o estilo da época.
Mesmo com todo o humor e elegância, é bastante clara a denúncia para qualquer um que lê-lo, a crítica é incisiva. Para exemplificar, segue abaixo um trecho do sexto capítulo, “O Ensino na Bruzundanga”:
(...) Há casos tão escandalosos que, só em contá-los, metem dó.
Passando assim pelo que nós chamamos preparatórios, os futuros diretores da República dos Estados Unidos da Bruzundanga acabam os cursos mais ignorantes e presunçosos do que quando para lá entraram. São esses tais que berram: “Sou formado! Está falando com um homem formado!”
Ou senão quando alguém lhe diz:
- Fulano é inteligente, ilustrado...”, acode o homenzinho logo:
- É formado?
- Não.
-Ahn!
Nesse sentido de romance social, o autor, que também publicou Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), é tido como o pioneiro no Brasil, e ao mesmo tempo como o crítico mais ferrenho da República Velha na esfera artística.
Vale a pena lê-lo por muitos motivos, mas, repito, compará-lo com os dias atuais e enxergar uma série de semelhanças esdrúxulas é o aspecto mais irresistível. Parece praga, da boa e da ruim.
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