sexta-feira, 11 de maio de 2012

Henry Miller: “Sexus”, “Plexus” e “Nexus”


De tudo que li até hoje, não me lembro de nenhum autor mais honesto que Henry Miller (1991 -1980). Tinha a escrita solta e não se apegava a enredos.

Influência direta da geração Beat e de grande parte da literatura contemporânea, sua prosa era rica e bem estruturada à sua maneira. Por dispensar a prudência em relação às palavras, Miller muitas vezes abusou dos limites estipulados na época, sendo taxado como “escritor maldito” e seus trabalhos considerados degradantes por conter muitas vezes obscenidades e passagens sexualmente explícitas.

É injusto lembrar de Miller basicamente como um pornográfico desbocado. Apesar dessa estigma que o acompanhou pra sempre, ele tinha com a mesma intensidade e excelência a característica de ser livre e parecer capaz de tratar sobre qualquer anseio humano. Nas palavras do próprio: “A literatura moderna sofre precisamente porque os escritores se abstêm de nos oferecer o homem em todas as grandezas e baixezas de seu ser. E o público, já muito habituado a esse tipo de amputação prescrita, perdeu o interesse maior. Na realidade, pouca revolta de qualquer espécie é permitida ao homem moderno”.


Adotando predominantemente o recurso da autobiografia embaralhada com ficção, Henry Miller insistia nessa fórmula de constante libertação. Ao longo dos anos, o livro Trópico de Câncer (1934) foi apontado pela crítica como o exemplo mais contundente de sua bibliografia, mas é em Sexus (1949), Plexus (1953) e Nexus (1959) que ele atinge o ápice da elaboração na crueza de seu estilo.

A Crucificação Encarnada – assim é chamada a trilogia – é um monumento literário de mais de 1.300 páginas. Nele, o autor conta sua vida na Nova Iorque dos anos 1920 e 1930. A cena boêmia de Brooklin, seus perrengues financeiros, suas aventuras sexuais, pessoas das mais distintas personalidades e a transformação de alguém sem perspectivas chegando gradativamente ao posto de promissor escritor. Tudo é real no sentido mais profundo, e o charme está no fato de Miller contar sua peculiar trajetória do modo mais correto: sem maquiar os próprios sentimentos, se abrindo completamente.

No prefácio de Plexus, Henry elucida bem o que a trilogia aborda: “Através da crucificação uma pessoa pode ser ressuscitada... ou ‘transformada’, se preferirem assim. Minha ideia, muito simples, foi a de contar, sem pensar no número de páginas, a história do período mais pungente de minha vida, a saber, os sete anos antes de minha fuga voluntária para a França. Parte considerável da narrativa refere-se à luta que travei para me expressar em palavras – eu comecei tarde! –, às dificuldades para ganhar a vida, à luta com o meu próprio ser complexo, aos encontros com outros homens e mulheres na condição de ‘errante facínora cultural’, e assim por diante. E mais do que tudo, talvez, ao meu esforço para compreender o esquema de minha vida, seu propósito e sua significação”.     

Sexus chega a chocar quem não está acostumado com esse tipo de literatura. Neste livro contém as primeiras manifestações de um bon vivant notável. Miller está pra fazer trinta e três anos, mantém um frio casamento com sua esposa Maude e trabalha em uma companhia de telégrafos enquanto sonha em ser escritor. Ao mesmo tempo em que se apaixona perdidamente pela dançarina Mona (June Miller na vida real, foto abaixo), Henry experimenta fugir da estabilidade que não o faz progredir e vai alimentando essa ruptura a cada capítulo percorrido. Se envolve com artistas, pirados e boêmios, passa a viver com a dançarina, deixando Maude com a filha pequena. Somado a tudo isso, há o sexo, detalhe que o acompanha em todo o livro. Vale ressaltar que quando não há transas e passagens eróticas, há o contrapeso de uma enxurrada de reflexões existenciais, monólogos filosóficos a respeito dos mais diversos assuntos. São várias as passagens em que Miller beira a pornografia, mas definitivamente Sexus supera qualquer preconceito literário caso o leitor seja atento o suficiente à sensibilidades.    

Quando se chega a Plexus, encontramos o protagonista já imerso nessa vida, com Mona sendo sua cúmplice. Nesse ponto, o narrador está buscando meios de se encontrar na escrita e ao mesmo tempo procura se virar com seu modo nada ortodóxo de viver sem as convencionalidades de um emprego estável. Dentro de Plexus está uma extensão ainda maior da personalidade de Miller. As reflexões e divagações são ainda mais frequentes. Às vezes torna-se cansativo, mas ao mesmo tempo pode ser definido como a base da trilogia. Liga Sexus a Nexus como se fosse a fase adulta de uma vida dentro de outra vida.

No caso de Nexus, a perambulação novaiorquina atinge a maturidade. Há também o relacionamento abalado com Mona, que agora se envolve com Anastasia e juntas vão à França, deixando Henry na mão. Neste último volume da trilogia, há mais densidade na descrição dos sentimentos e nas ideias compartilhadas pelo autor. É como se Nexus realmente representasse a conclusão de toda uma história, o que é verdade somente em parte. Em Trópico de Câncer encontramos o mesmo Henry, novamente deslumbrado como em Sexus, porém se aventurando em Paris.

Assim como ocorreu com alguns outros títulos de sua autoria, a trilogia foi proibida em uma série de países, incluindo o Brasil, por julgarem a liguagem abusiva e o conteúdo “imoral”. Muitos artistas, intelectuais e apreciadores sairam em defesa Henry Miller, e na década de 1960 todos os livros foram finalmente liberados.

Henry Miller tornou-se notável referência pra literatura feita até então. Desde o início de sua trajetória com as letras, sempre foi elogiado por alguns de seus contemporâneos, como Ezra Pound, Anaïs Nin – com quem se envolveu durante sua temporada na França – e George Orwell, que na década de 1940 chegou a afirmar que Henry era o único excelente escritor de prosa imaginativa que havia aparecido na língua inglesa naqueles últimos anos.

Ao longo do tempo, pode-se perceber a presença de Miller em parte da literatura mundial, sobretudo na arte norte-americana que veio sendo desenvolvida a partir de meados da década de 1940. Allen Ginsberg, William S. Burroughs, Charles Bukowski, Thomas Pynchon… Na verdade, Henry Miller é um gênio que continuará sendo reverenciado enquanto houver pessoas interessadas na complexidade dos desejos e no que de fato é um ser humano desprendido.

4 comentários:

  1. Paulo Coelho foi fortemente influenciado por Henry Miller. Ouvi isso dele próprio numa entrevista. Disse que em Trópico de câncer Miller fala diretamente do coração. Depois disso comecei a prestar mais atenção nas músicas que Paulo Coelho compôs com Raul, e em algumas delas da pra sentir claramente essa influência. Algumas são quase um plágio. Você também já percebeu isso. ..facebook Vanderlei Gonçalves Teixeira Abraço

    ResponderExcluir
  2. Adoro e reverencio o mestre Miller e o releio constantemente.

    ResponderExcluir
  3. Maravilhoso, seu texto. Comecei a ler Miller em "Pesadelo Refrigerado", que é um retrato muito nítido da loucura fria em que as pessoas vivem hoje. Estou no último livro da trilogia e perdi a conta de quantas vezes senti que Henry Miller me conhecia como se tivesse habitado minha alma. Espetacular.

    ResponderExcluir

Powered By Blogger