segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
“Django Livre” (2012)
Ao assistir Django Livre, o novo filme de Quentin Tarantino, qualquer espectador mais analítico chega à conclusão de que finalmente seu modo de contar histórias atingiu uma maturidade essencial, ou melhor, mais fluência no sentido de apresentar um produto homogêneo em estética, enredo e entretenimento.
No entanto, para os entusiastas da obra do diretor, falar de qualidades como essas sempre pareceu muito óbvio, mas o fato é que desde Bastados Inglórios (2009), ou até um pouco antes, seu estilo tornou-se mais aceitável até para os mal acostumados com muita violência. Isso porque os temas que ele vem escolhendo são tão interessantes quanto a roupagem única que o fez um ídolo pop. Afinal, quem nunca imaginou ao menos uma vez algo similar à uma vingança judia contra o nazismo sendo concretizada ou um ex-escravo que mata donos de fazendas e afins?
Em Django Livre temos um escancarado exemplo de persuasão artística e constante repaginação. Por isso é tão difícil para aqueles que se interessam por cinema escapar da teia desenvolvida por Tarantino, que tem como característica conseguir ser apelativo em todas as direções possíveis e convencer com seu ponto de vista nada ortodoxo. No filme, desde o início, é muito fácil reconhecer a união do perfil de Sérgio Leone (diretor de clássicos como Três Homens em Conflito, de 1966) e o alternativo dos filmes de baixo custo. Para exemplificar esse incessante casamento de gêneros, já basta a trilha-sonora, repleta de surpresas e de originalidade casa o infalível spaghetti western de Ennio Morricone com 2Pac e até Richie Havens com a histórica versão de “Freedom” ao vivo no Woodstock.
Mesmo que charmoso no papel, esse minucioso trabalho de costurar retalhos só ganha corpo de fato graças à belíssima atuação do elenco. A começar por Christoph Waltz, que interpreta Dr. King Schultz, um astuto caçador de recompensas, muito mais “sensível” e tão carismático quanto o coronel Hans Landa, personagem interpretado pelo próprio Waltz em Bastardos Inglórios. Jamie Foxx é Django, o ex-escravo e parceiro de Schultz, que comprou a liberdade do negro com a condição de que o ajudasse a encontrar três irmãos assassinos.
Após concluída a missão, Schultz libera Django, mas mesmo assim decidem serem parceiros no ramo. Ao mesmo tempo em que prossegue como caçador de recompensas, Django tem como objetivo principal encontrar e resgatar sua esposa Broomhilda (Kerry Washington), uma escrava que ele não vê há anos. A busca de Django e Schultz leva-os a Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), o dono de uma fazenda chamada Candyland, famosa pela brutal hostilidade e o treino intensivo de escravos locais usados para a luta. Ao entrarem na propriedade com identidades falsas, Django e Schultz chamam a atenção de Stephen (Samuel L. Jackson), um velho escravo de confiança de Candie, e é aí que a trama fica mais interessante.
DiCaprio está perfeito como o excêntrico e cruel proprietário de Candyland. Com tantas boas atuações no currículo, vale dizer que poucas vezes se viu o ator atingir uma intensidade como em Django. Fica fácil enxergar através de DiCaprio uma das especialidades mais fundamentais de Tarantino: dirigir um ator conduzindo sua personagem a uma qualidade de carisma extremo, pouco importando o caráter do mesmo. O impagável Stephen, de Samuel L. Jackson, que tem aversão aos próprios negros, também faz parte de um elemento básico da filmografia do diretor, sendo aquele sujeito mau-caráter que extrapola o contraditório a ponto de parecer cômico. Quanto a Broomhilda de Kerry Washington, uma bela escrava que fala alemão, apesar de ser o motivo central da trama, recebe menos destaque que os demais, talvez por manter em meio ao absurdo (e não tão improvável assim) mundo western de Tarantino um sinal de sobriedade em comparação às demais personagens.
Quanto à violência, pode-se dizer que este filme é, se não o mais bruto dentre todos os de sua obra, pelo menos aquele que mostra uma carga mais densa de requintes de crueldade. O mesmo se dá com a sensação de vingança, similar ao sentimento experimentado em Bastardos Inglórios e também nos Kill Bill. Mas a diferença entre os demais é que Django Livre reafirma ainda com mais apelo uma inevitável força artística.
Gostar ou não gostar de filmes como Django Livre é uma questão sensível e inútil, mas é certo que o “modo Tarantino” de fazer filmes vem provando ao longo dos anos que funciona como entretenimento e traz consigo uma importância como obra de arte muito além do superficial sentimento de gratuidade.
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
David Bowie – Low (1977)
Mesmo que a icônica capa de Aladdin Sane (1973) tenha sobrevivido intacta e soberana no imaginário da cultura pop e levado a personagem de David Bowie quase que à banalidade em termos visuais, o legado do britânico ecoa ainda mais forte por conta de seu extraordinário conteúdo musical. Se por algum motivo a incessante busca por sintéticas texturas sonoras entra e sai de moda entre bandas de rock e de outros gêneros, muito disso é fruto das sugestões apontadas por Bowie e sua essencial “Trilogia de Berlim”, sobretudo o álbum Low, de 1977.
Parece redundante hoje em dia destacar a importância do britânico para a música popular, mas fato é que neste mês Low fez 36 anos de aniversário e permanece ileso e incontestavelmente rico em proposta estética. Produzido pelo próprio Bowie e seu parceiro de longa data, Tony Visconti, Low abriu um novo caminho na carreira do músico. Se antes já havia causado espanto geral por flertar facilmente com pop, soul e glam rock, a partir de 1977 passaram a vê-lo como um artista desafiador, que expandia os limites sugerindo à música o uso expansivo da artificialidade sonora.
Com o objetivo maior de largar seu vício em cocaína, Bowie viveu modestamente na Alemanha Ocidental, em Berlim, recluso e longe dos holofotes. Como forma de ocupação, em meados de 1976 chegou a produziu o álbum solo de seu amigo Iggy Pop: The Idiot. Logo ali já podia ser notada uma pitada do que David estava preparando.
Fortemente influenciado pelo som de grupos como NEU! e Kraftwerk, Bowie reuniu uma série de músicos como Carlos Alomar (guitarras), George Murray (baixo), Ricky Gardener (guitarras) e Brian Eno (sintetizadores) para recriar a seu modo a atmosfera dessas bandas. O resultado foi Low, um disco metade instrumental, metade pop experimental e distinto por completo. O curioso é que alguns atribuem a Eno importância igual ou maior que o próprio Bowie na concepção de Low. Polêmicas à parte, certamente o modo de criação do ex-Roxy Music foi uma grande influência, tanto que o próprio alega que participou da produção do LP e não foi creditado.
Não é que bandas do rock progressivo, expoentes do krautrock ou o próprio Eno com sua ambient music não houvessem sugerido aquilo até então, mas o fato surpreendente (além do resultado final do LP) foi a abrupta ruptura de David Bowie, que há um ano antes vinha fazendo soul e mesmo assim assumiu o eletrônico sem quaisquer restrições.
Outro fator que contribui para a notoriedade de Low é a incessante capacidade de algumas de suas canções se ajustarem naturalmente ao presente momento, como no caso de “A New Career in a New Town” ou “Breaking Glass”, que com seus quase dois minutos representa o que inúmeras bandas contemporâneas tentam recriar direta ou indiretamente. “Sound and Vision” e “Be My Wife”, mesmo sem seguirem a fórmula linear de canção pop, traçaram no panorama musical da época o que viria a ressoar com muita força em conjuntos de pós-punk e new wave do início dos anos 1980.
Todas as onze composições são capazes de levar o ouvinte a uma interessante experiência sensorial, mas de fato as últimas quatro faixas de Low, “Warszawa”, “Art Decade”, “Weeping Wall” e “Subterraneans”, verdadeiros exemplos de ambient music, carregam peso maior do status de obra-prima atribuído ao LP. Qualquer um acostumado apenas com as irresistíveis facilidades do Camaleão do rock (coisas como “The Jean Genie”, “Rebel Rebel” ou “Changes”) passará pela primeira vez pelo desfecho de Low e a partir de então encarará Bowie de maneira absolutamente diferente.
Com todo o reconhecimento obtido anos depois, a desconfiança da RCA (então gravadora do músico) para com o disco virou mero detalhe. Das onze faixas, seis eram basicamente instrumentais e a empresa teve sérias dificuldades em encontrar na obra alguma “música de trabalho”. No final das contas, “Sound and Vision” foi a escolhida como single.
O disco saiu em janeiro de 1977. Inicialmente seria lançado em dezembro de 1976, porém a RCA cancelou com a justificativa de que não via Low com um potencial presente de Natal.
Seria Low o ápice criativo de Bowie? O próprio afirma que sim, e até chegou a tocá-lo na íntegra em 2002, num único show em Londres. Mas fato é que, gostando ou não gostando, ao escutar o álbum todo não há como relevá-lo e não perceber nele uma infinidade de outros artistas.
Low (1977)
Lado A
"Speed of Life" (Bowie) – 2:46
"Breaking Glass" (Bowie, Dennis Davis, George Murray) – 1:52
"What in the World" (Bowie) – 2:23
"Sound and Vision" (Bowie) – 3:05
"Always Crashing in the Same Car" (Bowie) – 3:33
"Be My Wife" (Bowie) – 2:58
"A New Career in a New Town" (Bowie) – 2:53
Lado B
"Warszawa" (Bowie, Brian Eno) – 6:23
"Art Decade" (Bowie) – 3:46
"Weeping Wall" (Bowie) – 3:28
"Subterraneans" (Bowie) – 5:39
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