Mesmo que a icônica capa de Aladdin Sane (1973) tenha sobrevivido intacta e soberana no imaginário da cultura pop e levado a personagem de David Bowie quase que à banalidade em termos visuais, o legado do britânico ecoa ainda mais forte por conta de seu extraordinário conteúdo musical. Se por algum motivo a incessante busca por sintéticas texturas sonoras entra e sai de moda entre bandas de rock e de outros gêneros, muito disso é fruto das sugestões apontadas por Bowie e sua essencial “Trilogia de Berlim”, sobretudo o álbum Low, de 1977.
Parece redundante hoje em dia destacar a importância do britânico para a música popular, mas fato é que neste mês Low fez 36 anos de aniversário e permanece ileso e incontestavelmente rico em proposta estética. Produzido pelo próprio Bowie e seu parceiro de longa data, Tony Visconti, Low abriu um novo caminho na carreira do músico. Se antes já havia causado espanto geral por flertar facilmente com pop, soul e glam rock, a partir de 1977 passaram a vê-lo como um artista desafiador, que expandia os limites sugerindo à música o uso expansivo da artificialidade sonora.
Com o objetivo maior de largar seu vício em cocaína, Bowie viveu modestamente na Alemanha Ocidental, em Berlim, recluso e longe dos holofotes. Como forma de ocupação, em meados de 1976 chegou a produziu o álbum solo de seu amigo Iggy Pop: The Idiot. Logo ali já podia ser notada uma pitada do que David estava preparando.
Fortemente influenciado pelo som de grupos como NEU! e Kraftwerk, Bowie reuniu uma série de músicos como Carlos Alomar (guitarras), George Murray (baixo), Ricky Gardener (guitarras) e Brian Eno (sintetizadores) para recriar a seu modo a atmosfera dessas bandas. O resultado foi Low, um disco metade instrumental, metade pop experimental e distinto por completo. O curioso é que alguns atribuem a Eno importância igual ou maior que o próprio Bowie na concepção de Low. Polêmicas à parte, certamente o modo de criação do ex-Roxy Music foi uma grande influência, tanto que o próprio alega que participou da produção do LP e não foi creditado.
Não é que bandas do rock progressivo, expoentes do krautrock ou o próprio Eno com sua ambient music não houvessem sugerido aquilo até então, mas o fato surpreendente (além do resultado final do LP) foi a abrupta ruptura de David Bowie, que há um ano antes vinha fazendo soul e mesmo assim assumiu o eletrônico sem quaisquer restrições.
Outro fator que contribui para a notoriedade de Low é a incessante capacidade de algumas de suas canções se ajustarem naturalmente ao presente momento, como no caso de “A New Career in a New Town” ou “Breaking Glass”, que com seus quase dois minutos representa o que inúmeras bandas contemporâneas tentam recriar direta ou indiretamente. “Sound and Vision” e “Be My Wife”, mesmo sem seguirem a fórmula linear de canção pop, traçaram no panorama musical da época o que viria a ressoar com muita força em conjuntos de pós-punk e new wave do início dos anos 1980.

Com todo o reconhecimento obtido anos depois, a desconfiança da RCA (então gravadora do músico) para com o disco virou mero detalhe. Das onze faixas, seis eram basicamente instrumentais e a empresa teve sérias dificuldades em encontrar na obra alguma “música de trabalho”. No final das contas, “Sound and Vision” foi a escolhida como single.
O disco saiu em janeiro de 1977. Inicialmente seria lançado em dezembro de 1976, porém a RCA cancelou com a justificativa de que não via Low com um potencial presente de Natal.
Seria Low o ápice criativo de Bowie? O próprio afirma que sim, e até chegou a tocá-lo na íntegra em 2002, num único show em Londres. Mas fato é que, gostando ou não gostando, ao escutar o álbum todo não há como relevá-lo e não perceber nele uma infinidade de outros artistas.
Low (1977)
Lado A
"Speed of Life" (Bowie) – 2:46
"Breaking Glass" (Bowie, Dennis Davis, George Murray) – 1:52
"What in the World" (Bowie) – 2:23
"Sound and Vision" (Bowie) – 3:05
"Always Crashing in the Same Car" (Bowie) – 3:33
"Be My Wife" (Bowie) – 2:58
"A New Career in a New Town" (Bowie) – 2:53
Lado B
"Warszawa" (Bowie, Brian Eno) – 6:23
"Art Decade" (Bowie) – 3:46
"Weeping Wall" (Bowie) – 3:28
"Subterraneans" (Bowie) – 5:39
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