Se a música radiofônica da segunda metade do século XX – sobretudo o Rock – passou a ser mais inventiva e ao mesmo tempo levada mais a sério, deve-se muito a uma vertente denominada Pop Barroco.
Este estilo emergiu em meados dos anos 1960, quando produtores e compositores beberam da fonte da música erudita e trouxeram ao Rock ‘n’ Roll elementos orquestrais. O resultado foi provavelmente a primeira amostra de que um som feito basicamente pra adolescentes poderia soar mais rico e intenso.
Competição criativa
Pode-se dizer que um dos alicerces do Pop Barroco é a canção “Be My Baby”, interpretada pelo grupo feminino The Ronettes e composto, produzido e arranjado por Phil Spector. Lançado em 1963, o sucesso apresentava uma sonoridade diferenciada por conta da chamada Wall of Sound, técnica de gravação desenvolvida por Spector. O segredo consistia em juntar no estúdio uma infinidade de músicos (algo exagerado como quatro guitarristas, dois baixistas, dois bateristas, piano, órgão, conjunto de cordas etc.) pra tocarem ao vivo a canção, sem edições. O efeito final era uma massa sonora que soava mais vigorosa do que as demais músicas do rádio.
E foi esse jeito peculiar de gravar, essa mistura de ingredientes inusitados no Rock que fez a cabeça de Brian Wilson, então baixista, produtor e compositor do The Beach Boys. A banda foi mudando gradativamente de direção estética. No single “When I Grow Up (To Be A Man)”, de 1964, nota-se a busca de Wilson por novas sonoridades pelo uso de um cravo. Nos álbuns posteriores,
The Beach Boys Today! e
Summer Days (And Summer Nights), a sofisticação vai ganhando mais corpo e a genialidade de Wilson começa a dar as caras.
Enquanto isso, os Beatles também começaram a alargar suas próprias fronteiras. Em
Help! (1965) já havia um presságio de novos tempos com “Yesterday”, nitidamente mais madura que qualquer outra canção gravada pelo quarteto anteriormente. Mas no mesmo ano é lançado o LP
Rubber Soul, este sim com um grupo realmente mais complexo e ousado. Somente a cítara de George Harrison em “Norwegian Wood” (instrumento até então nunca usado no Rock) já seria um bom motivo pra considerar
Rubber Soul criativo e pioneiro em alguma coisa, mas Brian Wilson – de novo ele – enxergou ali algo ainda maior e absorveu o trabalho dos ingleses como um desafio, sentiu a necessidade de superá-los com algo ainda mais denso. E foi aí que veio
Pet Sounds (1966) e o começo de uma batalha artística que renderia alguns dos maiores clássicos do Rock.
Brian Wilson parou de excursionar com o The Beach Boys. Com isso passou a se dedicar somente às composições e gravações enquanto o restante do grupo tocava pelo mundo.
Pet Sounds somou mais de cinco meses de trabalho liderado por Wilson, que conseguiu captar o espírito juvenil e ao mesmo tempo uma sonoridade riquíssima em detalhes. Utilizando tudo o que fosse possível (de violoncelos e vibrafones a buzinas de bicicleta), o álbum é uma obra de arte sem precedentes. “God Only Knows” é considerada por muitos – incluindo Paul McCartney – como a melhor canção Pop de todos os tempos.
Os Beatles também vinham se dedicando mais às gravações do que às apresentações, tanto que, em 1966 anunciaram que passariam a trabalhar somente em estúdio. Esta atitude somou frutos que viriam a ser considerados os pontos altos da carreira do grupo, dentre eles, o LP
Revolver, do mesmo ano, e
Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, de 1967. Neste período a banda ditou as regras da cultura Pop, e “Strawberry Fields Forever”, “Penny Lane”, “Eleanor Rigby” e “A Day in The Life”, que traziam a abordagem do Pop Barroco, se transformaram em referência do que podia se considerar moderno na música.
Brian Wilson bem que tentou fazer algo num nível ainda acima, mas sucumbiu às drogas e à loucura. Começou a gravar o LP
Smile em 1967, mas abandonou o projeto, que só viria a ser lançado em 2004 como projeto solo. Em 2011, para comemorar os 50 anos dos Beach Boys, saiu o Smile Sessions, com gravações da época. .
Contemporâneos
Houve uma infinidade de grupos seguindo essa tendência no período dos anos 1960, medalhões como os Rolling Stones, por exemplo. Apesar da sonoridade calcada no Blues dos primeiros álbuns, a banda investiu em alguns momentos no Pop Barroco. Apesar de o flerte com o erudito não ter perdurado, “Lady Jane”, “Ruby Tuesday” e “She’s a Rainbow” são músicas importantes para o subgênero.
O The Left Blanke, de Nova Iorque, também foi um expoente crucial pra concepção do estilo. O compositor e tecladista da banda, Michael Brown, foi muitas vezes comparado a Lennon, McCartney e Wilson por conta de seu talento em fazer melodias sofisticadas e da ambição de introduzir elementos mais sérios na música Pop. Muita gente considera o primeiro álbum,
Walk Away Reneé/Pretty Ballerina (1966), como o exemplo mais bem acabado da fusão do Pop com o erudito.
Bandas como The Zombies aprimoraram o estilo seguindo os passos de
Pet Sounds e
Sgt. Peppers. O grupo britânico estava pra se desfazer quando juntou os cacos e fez um LP emblemático.
Odessey and Oracle (1968), foi preparado sem a pressão da gravadora por algum sucesso, detalhe que acabou sendo resolvido naturalmente, pois “Time of The Season” agradou ao público em geral. Dada essa liberdade, o grupo pode abusar o quanto quisesse do experimentalismo, e o resultado foi um disco aclamado pela crítica até hoje.
Odessey and Oracle, por fim, selou a dissolução do The Zombies, que foi coincidentemente seu momento mais prolífero.
Um caso similar à situação do The Zombies e que também deu bastante certo foi terceiro disco do grupo norte-americano Love. A banda liderada por Arthur Lee já havia conseguido algum sucesso na cena com o álbum
Da Capo (1966), mas
Forever Changes (1967) a música atinge outro patamar. O Love passava por um período de brigas internas e ameaças de dissoluções. Lee, que depois de uma viagem de LSD previu sua morte, estava determinado em deixar suas últimas palavras em vida (daí o título
Forever Changes), e estimulou o grupo a gravar o álbum. São onze músicas coesas, impecáveis. Pode-se dizer que “Andmoreagain”, “You Set The Scene” e “Alone Again Or” são sinônimos de Pop Barroco. Os arranjos de cordas e metais permeiam quase todo o LP e complementam a banda de modo tão satisfatório que não dá pra separar uma coisa da outra.
No decorrer dos anos, uma infinidade de artistas buscaram fazer esse contrapeso do moderno com o clássico: Moody Blues, Serge Gainsbourg, Pink Floyd, Scott Walker, Nico, Nick Drake, The Hollies, Sagittarius, The Free Design, Simon & Garfunkel...
No Brasil
Em 1966, o The Jordans, grupo instrumental brasileiro, gravou “Tema de Lara”, do filme Doutor Jivago, com arranjos arrojados em comparação com o conceito do Rock brasileiro. Um ano depois, a banda tocou na Europa, absorveu as influências e na volta gravaram “Walk Away”, do The Left Blanke, que em português ficou “Alguém Chorou”.
Por aqui, o estilo foi um forte aliado ao som dos Tropicalistas. A influência de
Sgt. Peppers no LP coletivo
Tropicália ou Panis et Circesis (1968) está escancarada, basta conferir “Baby” e “Enquanto Seu Lobo Não Vem”. O nome por trás disso é Rogério Duprat, maestro arranjador que trabalhou com a maioria dos artistas do movimento e aproximou um pouco mais os brasileiros das tendências internacionais. Dentre os Tropicalistas, os Mutantes se destaca como o grupo mais fincado nessa proposta orquestral, principalmente nos seus três primeiros trabalhos de estúdio.
Até Ronnie Von, antes mero galã das garotinhas, lançou em 1969 um emblemático álbum homônimo com excelentes canções de Pop Barroco, que na época foi mal compreendido pelo seu público acostumado com canções fáceis.
Legado
Dá pra dizer com tranquilidade que muitos subgêneros não existiriam sem o Pop Barroco. Sua importância está intacta e perdura até hoje por meio de uma porção de filhos e netos bem sucedidos, dentre eles, figuras do Rock Sinfônico como Yes e ELP, o chamado Art Rock do Queen em
A Night at The Opera (1975), a Neopsicodelia do Echo & The Bunnymen em
Ocean Rain (1984), o Rock alternativo do Smashing Pumpkins, Arcade Fire e The Last Shadow Puppets. É muita coisa. É quase impossível vislumbrar o Pop sem 1966 e 1967.
Para entender o Pop Barroco, recomendo escutar as seguintes músicas:
“Pretty Ballerina” – The Left Blanke
“Out Of Time” – The Rolling Stones
“A Rose For Emily” – The Zombies
“For No One” – The Beatles
“Fly” – Nick Drake
Por: Victor José