Abre
a janela sem o propósito de achar o que nunca achara em outra paisagem, e está
tão ensolarado que pouco importa; a grama se estende até a descida do morro.
Só, sente o aroma de madeira e terra macia que tanto o faz feliz quando tudo se
mistura perfeitamente no ar. Respira fundo e agradece por pensamento, pela
afinidade bucólica, e volta a si ao olhar para os pés descalços que tocam o
chão rústico da cabana: precisa cortar as unhas, mesmo. Vai à cozinha preparar
um café e ligeiramente se comove pelo desalento que não existe naquele dia. Sente-se emocionado
por nada em particular, talvez pela sorte fácil que desliza aos poucos e
atravessa o coador indo direto ao bule, fumegando. Mira um porta-retrato
solitário e sorri, pois já se foi o tempo de viver o tema ali representado:
três irmãos fantasiados de mágicos. Não se culpa por ser aquele mesmo aluno
indisciplinado, fez seu caminho longe, longe da professorinha. Seus olhos não
escondem nada. Há quanto tempo não via seus amigos? Havia tempo? Existiam? Sabe se lá o que se passa com
Frederico, com Rosa, com Alberto ou outro antigo episódio marcado por esses
parceiros. Tem alguma pressa, portanto rasga o pão com as mãos e esquece-se da
faca que usa para aguçar a espera de um proveito qualquer. Assim age Álamo em
22 de outubro, pois bem sabe que as chuvas começarão em poucos dias e precisará
de mais temas e inspiração para acompanhá-las no dueto que tocou com maestria
em sua cabeça neste veraneio. Fez sua cabeça com bastante calma até encontrá-la
sã. Calça as sandálias para ter com a quaresmeira estufada de lindas folhas e
flores uma prosa visual e plena de prosperidade; desce o morro com cinquenta
passos tenros e enxerga algo que nos diz respeito, volta correndo em saltos
dramáticos contar ao diário o que viu. Muda a caligrafia propositalmente, como
se mudasse de voz ou de cor da pele, escreve um bilhete breve, rasga a folha do
caderninho e lança para a varanda; o vento a leva morro abaixo e segundos
depois o céu distante degrada de azul para verde como num daltonismo
controlado. Seus pulsos enrijecem por uma boa gama de motivos emotivos e
regozijos desconhecidos. Prefere não entender quando o vento sopra até sua
escrivaninha improvisada um novo bilhete com os dizeres: “Estou esperando do
outro lado”. Sente o semblante faceiro caindo pouco a pouco, dando lugar às
jovens rugas que vão surgindo uma a uma, andando pelo rosto, pelos braços e
fazendo cócegas estranhas quando cai um espelho ao lado da cama; não pode se
assistir indo embora, encolhendo-se... sequer faz questão de notar quando se
dissolve, como se isso fosse realmente possível a todo momento. Suporta e vive,
de novo, pela segunda vez. Tudo ao mesmo tempo. E assim, sem tomar consciência,
abanca mais uma chance de ser aquele que tanto almejava e xhxhxhxhxhhxhxssssssssssssssssssttts! Eis que chora por nascer de
novo por meio de outra mãe. “Menino!”, diz uma voz feminina. Ele nada percebe,
não mais. É quase outro, aquele que está no colo de uma desconhecida; a
desconhecida o faz se sentir risonho, mas ele não sabe ao certo o que isso
significa, não houve tempo para isso. Álamo perde o nome e todo o resto de
antes para um corpo recém-nascido.
Créditos,
a luz acende.
Greta
sai do cinema confusa e com uma leve enxaqueca, mas feliz por ter pago apenas
uma moedinha por aquilo. Por outro lado, já faz um bom tempo que ela pensa em
Álamo esporadicamente e com a secreta vontade de tomar seu lugar, como se isso fosse
possível. E é assim que todo bom filme deve ser.
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