A
céu aberto na Avenida Paulista.
O
tom seco de saltos e sapatos arrastando poeira para lá e para cá sem culpas em
relação a isso. São objetos, somente. Percussão estrondosa ao pé do ouvido do
chão que esconde o metrô perfurando a pressa logo abaixo. Nada disso pode
significar qualquer coisa para quem caminha ou é capaz de caminhar; nada disso
pode ser considerado interessante para quem respira o ar da tarde próxima ao semáforo
próximo ao ponto de táxi próximo da noite próxima das 18 horas. Buzinas de
motociclistas que costura carros, seus oponentes. Um inferno para trafegar e estacionar,
e não importa a hora, todo mundo sabe disso, não é preciso estar lá. Tudo
irrelevante para quando não se dorme e o sono é supérfluo... para ela, a moeda: para ela é assim.
Calor
mentiroso acobertado por uma nuvem sem cor, apenas; um invólucro enorme e
magoado por uma série de pretextos poluentes e climáticos do coração econômico
do país. Será que isso um dia muda? A moeda, pra ela é assim: arranhões sem
dor, arrastões inocentes e passos alheios espremendo tudo debaixo dos pés. O
metal toca o asfalto, toca a sujeira, sem perder seu real valor. Como quando
alguém mata formigas ao caminhar, alguém as pisoteia sem tomar conhecimento do
que acabou de fazer. Para a moeda é assim, quase sempre.
Fácil
e acessível como um pequeno furto caído próximo à guia que separa a
tranquilidade do atropelamento na via expressa sem ninguém notar a tensão entre
as duas possibilidades. A céu aberto na Avenida Paulista e nada faz sentido a
não ser quando por ali passa Aquele
ou Aquela, impregnados de
características típicas. As roupas bacanas do sujeito bacaninha que aparenta
ter uma vida completa. Os óculos gigantes da garota quase feia com um jeito
nojento e empolado de andar mascarada e segura de si. Os cães de raça, os
vira-latas. Pessoas simples, colegas do cotidiano... bonitos, feios e
simpaticamente ordinários; aí sim está resguardado o melhor – e para eles o
melhor está resguardado em algum lugar não tão longe de lá.
Procura-se
a meada do nexo enquanto simultaneamente, sem assumir, pessoas dedicadas e
raras procuram sorrisos naturais desvanecendo entre coisas opostas que se vê
por aí. Não se sabe como se dá abertura a isso, mas é o que acontece nesta
tarde enquanto para alguma coisa qualquer é necessário permanentemente valer
cem centavos de real: um olho monetário no chão podendo fazer a alegria de
alguém. Pedestres, caminhos sinuosos e retilíneos de um mar de gente que
carrega o corpo para se desgastar por obrigação nos quatro cantos da cidade.
Não se ouve nomes, não se ouve reclamações. Ninguém é dono do que diz ter. Ao
menos na calçada, um infalível valor pendente espera ser gasto como sempre.
São
Paulo da garoa faz jus ao apelido garoando sem grande vaidade, acostumada.
Chuva fina sobre várias porcarias e tesouros no chão. Só resta maldizer o
molhado que vem de cima desfazendo penteados e determinando o fim da tarde.
A
céu aberto na Avenida Paulista e alguém que caminha como quase todo o fluxo:
alguém com um nome e munido de guarda-chuva e indiferença sorri por dentro ao
contemplar a própria sorte e extrai do chão a solução do conforto e completa a
passagem do ônibus que agora deve pegar para fugir da chuva que começa a arquitetar
uma trama mais séria.
Amanhã
a catástrofe virá a ser comentário, as calamitosas negligências que dão as
caras ano a ano, como se fosse Natal, Páscoa ou Carnaval: a enchente; os
desmoronamentos, longe da Avenida Paulista.
E
visto que é trivial correr aleatoriamente para qualquer canto a favor da
própria vida, visto que vez ou outra não há motivos compassivos que nos
permitam olhar para o chão ou para o céu com a intenção principal de observar
por onde se passa dia a dia, é possível garantir que há gente em pé com olhar
horizontal que anula a tradicional paisagem e suas probabilidades abertas...
A
céu aberto na Avenida Paulista. Seja lá o que for, vale ser inserido nesse
amontoado de definições. E nenhum drama maior domina quaisquer ações civis
enquanto tudo for invisível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário